segunda-feira, 13 de julho de 2015

Um breve estudo sobre o feijão na alimentação do brasileiro

O feijão é bem antigo. Há vestígios dele em estudos arqueológicos que datam de 7000 anos a.C.  sendo originário aqui mesmo do Continente Americano. Alguns pesquisadores dizem que ele foi da América do Sul ao Norte e outros que fez o caminho inverso, mas tb há registros arqueológicos de espécies “secundárias” do feijão na Ásia, Europa e África. Acredita-se que a disseminação dos feijoeiros pelo mundo se deve às grandes guerras, pois o feijão era de fundamental importância na dieta dos guerreiros. As grandes explorações ajudaram a disseminar estes hábitos alimentares, levando a cultura do feijoeiro para as mais diversas partes do mundo. Nos mais antigos registros históricos, existem relatos de que feijoeiro era cultivado no Antigo Egito e na Grécia, onde recebiam cultos em sua homenagem, por serem considerados  símbolo da vida. Já os antigos romanos usavam o feijão em suas festas e até mesmo como forma de pagamento para apostas.

Pé de feijão ou feijoeiro

No Brasil, suas sementes foram encontradas em cavernas e calcula-se por isso que já estavam por aqui há cerca de 2000 anos. Câmara Cascudo em seu livro A História da Alimentação do Brasil, reserva ao feijão um capítulo inteiro:  “ O Binômio Feijão e Farinha. A feijoada”, neste capítulo Cascudo faz um levantamento minucioso de pratos importantes que utilizam o feijão com protagonista na África, Europa, Ásia chegando ao Brasil pelas mãos dos portugueses e africanos (tipos diferentes trazidos por cada um). O índio brasileiro chama o feijão de cumandá que significa “comida ou alimento”,  este termo se referia tanto ao feijão quanto favas. A partir de 1800 começa a ganhar predileção do homem brasileiro acompanhado da farinha de mandioca. Ganha popularidade por ser de fácil plantação, plantadas ao redor das casas, segundo Camara Cascudo, “o brasileiro, filho de portugueses, ameríndios e africanos, foi o principal consumidor propagandista do feijão. Os pais tiveram uso intermitente e acidental, valorizado, ampliado, enobrecido no nível de consumo pelo filho”. Tomou de fato o Brasil de norte a sul,  (identificados em textos de naturalistas estrangeiros que percorriam todo o Brasil), época em que os feijoeiros se multiplicam de acordo com o crescimento populacional, e ganha a partir daí uma identidade nacional, fazendo parte da refeição de ricos e pobres.

variedade de feijão
o mais consumido no Rio de Janeiro e Espirito Santo 
Os grãos mais consumidos de maneira geral no Brasil

O mais consumido no Brasil - feijão carioquinha

O sertanejo nordestino passou a utilizar a técnica de secá-lo ao sol, para provisões futuras. Tão importante era, que quem não tinha um pé de feijão no nordeste era considerado descuidado e preguiçoso. O feijão passou a ser uma refeição de sustento, nas marchas de bandeirantes, tropeiros e sertanejos, pois era comida substancial e revigorante, aumentava a  energia para longas caminhadas, tanto que comer sem feijão servia só para enganar a fome. Na Bahia o misturavam com leite de coco, no Recife cozinhavam o feijão com a polpa do coco.  Em todas as regiões ganhava a companhia da carne de sol, carne de porco, farinha de mandioca e milho e mesmo, bananas.
Entre os índios e os africanos não se costumava comer o feijão com outros ingredientes. Batata só com batatas, milho só com milho. Cai por terra então, a história de que a feijoada é um prato criado por escravos. O feijão e a farinha são hábitos adquiridos dos indígenas, misturado às carnes guisadas: português. Segundo o sociólogo Carlos Alberto Dória, em seu livro a Formação da Culinária Brasileira, é mito a ideia de que os escravos contribuíram para a formação da nossa alimentação, foi somente anos após a abolição que os negros livres começaram a influenciar cotidianamente a culinária nacional, uma vez que “um dos componentes principais para o desenvolvimento da culinária é a liberdade” (pág., 46). Aos escravos, segundo a legislação vigente, eram ordenados que fossem plantadas mandiocas para sua alimentação, e  mesmo isso era usualmente negado, restando somente a farinha, misturada a água. O negro na américa era reduzida à condição de coisa.  O próprio Câmara Cascudo coloca a feijoada como “uma solução europeia elaborada no Brasil. Técnica portuguesa com material brasileiro”. E um dos comprovantes desta teoria são receitas como o Cassoulet (prato francês), muito mais antigo que a feijoada, preparado com feijão branco e uma mistura de carnes de ganso, pato, perdiz ou cordeiro, dependendo da região ou da temporada local. A história da feijoada é uma jogada de marketing para vendê-las em botequins e restaurantes caros, chamando a atenção do estrangeiro por sua história pitoresca e inventiva e que nos coloca frente a frente com a história da opressão, porém subverte o sentido dramático desta opressão apaziguando o discurso do opressor.

Segundo uma pesquisa  realizada em todo território nacional em 2007 sobre os hábitos alimentares brasileiros, o feijão faz parte das duas refeições consideradas mais importantes para os brasileiros: o almoço e a janta.
O feijão mais consumido no Brasil, (com exceção do estado do Rio de Janeiro e Espirito Santo) é o feijão “carioca”, que foi descoberto no interior de São Paulo e reproduzido em larga escala (seus grãos produziam o dobro dos outros tipos de feijões!) pela Embrapa na década de 70, e recebeu o nome “feijão carioquinha” em homenagem a uma raça de porco caipira, muito comum na época que também era rajado e conhecido pelo nome de “porco carioca”.

feijão carioca refogado


Abundante em todo território nacional, o Brasil é atualmente o maior produtor de feijão do mundo. Consumido de norte a sul do país. Com caldo grosso, temperado com alho, cebola, bacon, linguiça calabresa, folhas de louro, pimenta do reino, pimentões e tomates, é indispensável na mesa do almoço e jantar dos brasileiros. 

feijão nosso de cada dia.

Bibliografia:

  • Cascudo, Luís da Camara. História da Alimentação no Brasil – 4.ed. – São Paulo : Global, 2011.
  • Dória, Carlos Alberto. A Formação da culinária brasileira – São Paulo : Publifolha, 2009. (Série 21)
  • Barbosa ,Lívia. “Feijão com Arroz, Arroz com Feijão. O Brasil no prato dos Brasileiros. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 13, n. 28, p. 87-116, jul./dez. 2007


Fontes consultadas:

Imagens: 



quinta-feira, 14 de maio de 2015

Você come com farinha? Sobre a farinha, as farofas, nossas histórias e algumas questões.

Eu ando imersa no universo da cozinha. Além do exercício prático cotidiano de cozinhar e fazer experimentos na cozinha como por exemplo explorar as várias texturas de polentas e angus, seus possíveis recheios e a sua combinação com queijos e molhos, também  pela  primeira vez estou tendo a possibilidade de cozinhar para mais pessoas e isso exige uma grande responsabilidade (sempre cozinhei para os mais próximos, mas agora o círculo anda aumentado e estou adorando!). Só que, além disso, ando também estudando, lendo e pesquisando sobre a comida, suas relações sociais, econômicas e culturais. O quanto somos influenciados pela comida que comemos e vice-e-versa. Sempre me interessei pela relação que a comida exerce na comunidade. O simbolismo da preparação de um determinado prato nos mostra muito das mãos que o preparam. Esse encantamento me acompanha desde criança quando acompanhava atenta ao dia da “Pamonhada” na minha família. Vendo o milho se transformar em creme, bolos, doces e bebidas enquanto as dores e encantos da minha família iam se mostrando em cada etapa da preparação. Os homens depois de colher levavam o milho e as mulheres esperando começam o preparo. Cada uma delas, uma função. E sem nenhuma ordem que não a técnica de preparo – descascar, moer, ralar, cozer – que cada uma delas dominava. Entravam causos, histórias de vida, cantos, sonhos, vontades e prazeres. Na época, claro, não tinha clareza de tudo, era uma curiosidade atenta como de um espectador diante de um espetáculo teatral. Ali eu ganhava a cumplicidade de minha mãe, avós e tias. No fim do dia, os homens depois de muito jogar truco, já haviam descansado do almoço e das pequenas doses de aguardente e as mulheres cansadas, mas agora carregadas de uma força coletiva, e  nós, as crianças fartávamos de comer o milho em suas mais variadas formas.  Enfim, desde então, de forma intuitiva fui carregando em mim a tentativa de decifrar estes códigos e símbolos em torno da mesa e do fogão.

Durante este percurso, encontrei muito material (livros, documentos, textos, sites, comunidades, etc.) e são base essencial para que eu possa entender a história da nossa alimentação e seus processos históricos, suas relações culturais. A comida da região e suas influências econômicas e culturais. Os tropeiros, o homem da roça, as mulheres, a alimentação indígena e africana, enfim, a formação de nossa base alimentar e pude (movida pela curiosidade sempre!)  tentar traduzir e interpretar isso na cozinha que cotidianamente pratico. E esta semana tive um “start”, uma indagação que já me acompanhava mas de forma muito, mas muito inconsistente e que  martelava lá no fundo sempre mas foi  durante um café da manhã em meio as minhas leituras matinais que se formulou com clareza:
O quanto ficou daquele homem e mulher da roça, do tropeiro, do índio e do negro na nossa alimentação e em nossos hábitos à mesa hoje? O que as pessoas da minha geração e mais novas, nascidos nesta região ( Vale do Paraíba Paulista)  e influenciados por esta memória gustativa mantêm cotidianamente nos dias atuais? Se somos o que comemos quem é o homem valeparaibano hoje? O que restou de suas tradições em torno da mesa e o que faz elas sobreviverem diante desta padronização alimentar e porque e elas resistem?
Lancei estas indagações no face. Fiquei surpresa que muita gente retornou e o papo ganhou força. No ímpeto, lancei perguntas e a primeira delas foi: Quem come com farinha? Quem dos meus amigos, continua a ter o hábito de ter como acompanhamento do arroz e feijão cotidiano a farinha de mandioca ou de milho. E a farinha ficou martelando em mim, fui buscar respostas. Câmara Cascudo me deu a primeira luz:

"O nativo limita as refeições às possibilidades existentes. Não deixa para amanhã. É o apetite dos convidados de uma casa em festa. Os povos agrícolas, com as difíceis colheitas anuais, falam nos "meses da fome", de produção escassa, não para diminuir o cardápio mas para robustecerem o estômago, preparando-o para épocas de carência. A provisão, a despensa, o depósito de víveres, o fumeiro, a cabaça, os surrões de couro, os jiraus sobrecarregados, os sacos contendo cereais, o sentido da previsão e da defesa futura para a subsistência, são conquistas espantosas da inteligência refletiva contra o dispêndio vocacional. Essas reservas foram, entre os ameríndios brasilienses, farinhas, de peixe, de mandioca, raramente de milho. Sem a farinha o indígena estava morto. A farinha de radical latino far, é genérico de cereais, moídos, pilados, triturados. De sua importância etnográfica revelaram vocábulos farto, fartura, repleto de abundância de farinha. O próprio 'farnel', a provisão, a provinha de farinariu, farinária, a bolsa de farinha. Homo nostrae farinae, poetava Pérsio, significando igualdade de condição social pela unidade alimentar"

Primeira resposta: a farinha nasceu da necessidade de manter o alimento mais duradouro, de faze-lo durar e junto com outros ingredientes manter o sabor e a validade.
Em outro  livro, “ O Milho e a Mandioca”,  sobre a farinha a autora Maria Thereza lemos de Arruda Camargo, discorre:

“Desde épocas pretéritas, o milho e a mandioca, desempenham importante papel na alimentação do brasileiro. (...)Eles emprestam ainda, aos pratos que os levam como ingredientes básicos, seu toque de cultura regional, visto que tanto um como outro tinham territórios bem difinidos, ao tempo do tropeirismo, demarcados geograficamente pelas culturas respectivas das plantas: milho e mandioca. (...) Ao tratar a dieta do tropeiro, que tinham como base as farinhas de milho e mandioca, dando origem ao feijão tropeiro.”

Podemos concluir que os tropeiros foram os responsáveis pela introdução da farinha e da farofa na alimentação do vale do paraíba. 
foto: http://www.brasilcultura.com.br
/culinaria-brasileira/feijao-tropeiro/

Mas os índios já a consumiam antes mesmo deles e Camara Cascudo dá o arremate sobre isso: “A farinha indígena, não tendo prensa e antes não passando por um ralador eficiente, era grumosa, raspas de mandioca e tal qual tinham saído das mãos das cunhãs e não a massa compacta e fina dos nossos dias” (pág, 97)
http://pib.socioambiental.org/pt/povo/etnias-do-rio-negro/1534
Foto: Beto Ricardo, 1997














Até hoje a farinha resiste no prato.

Aos amigos que responderam a pergunta que fiz no face: “ Você come com farinha?” Quase unanimidade! Das 56 pessoas que responderam, somente duas não comem! Todos os outras 54 pessoas, dizem não poder faltar farinha em casa. Seja de mandioca, seja de milho – os filhos de nordestinos preferem a de mandioca, e os que tem descendência mineira, utilizam mais a de  milho . Alguns dizem que a pimenta e o feijão são a combinação perfeita pra farinha ou pra farofa. Tem gente que come com macarrão. Eu também e adoro!

Claro que essas questões estão longe de ser uma pesquisa acadêmica, mas representam mesmo que numa amostragem nada técnica,  que a farinha continua fazendo parte da nossa alimentação. Mas se hoje não existe a necessidade de armazenar a comida como havia na época dos tropeiros, porque a farinha ainda resiste em nossa alimentação cotidiana? Uma pergunta sempre leva a outra!rs...

Mas como disse num primeiro post, este não é um espaço de respostas e sim de possibilidades, portanto a investigação continua! E pra num perder a viagem, que tal uma farofa pra próxima refeição? Aqui em casa eu utilizo muito a de milho. Farofa é de uma praticidade sem tamanho e sustenta que é uma beleza, fora que além de acompanhar o arroz e feijão também pode simplesmente substitui-los e fazer um par perfeito com alguma carne ou peixe.  Se misturado com legumes, frutas e castanhas - que podem dar uma textura bem crocante, fica divino!
Mãos à obra e use a imaginação. Mais fica uma dica: assim que desligar o fogo da farofa, experimente colocar uma colher de manteiga e misturar. Além de sabor traz uma textura muito mais leve e airada pra farofa.

Farofa crocante cremosa da Chimbica,
com arroz e brócolis e purê de mandioca assado
Foto: Viviani Leite
Outra receita de farofa muito usada aqui na região é a farofa doce. Também feita com farinha de milho e banana, como este da foto. Pra finalizar eu coloquei um fio generoso de mel e umas folhinhas de manjericão. Delicia pura pro café da manhã ou da tarde!

Farofa doce de banana com mel
 e manjericão
Foto: Viviani Leite


Bom apetite! 

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Certo e errado na cozinha

Eu faço arroz exatamente como minha vó materna fazia quando eu era criança. A única coisa que muda é o fato de que agora eu uso azeite ao invés da gordura de porco. Minha vó, como disse no post anterior, nunca gostou muito de cozinhar e então, quando ia pra cozinha não era dada ao capricho e exatamente por isso, desenvolveu um jeito único de cozinhar. Pra mim, desde criança o melhor arroz do mundo era o que ela fazia. Grãos grandes, macios, soltinhos e além de tudo com um tempero único, pois como ela tinha certa "preguiça" de amassar o alho ou picá-los bem picadinhos, ela simplesmente o descascava e jogava na gordura quente. Inteiros! Quando eles estavam quase queimando, ai então ela jogava o arroz lavado e seco (isso ela fazia com antecedência, pois como ela própria diz: arroz molhado não pode ser refogado!) e então depois de muito refogar e mexer com a colher de pau, colocava uma pouco de sal e água quente até chegar dois dedos acima do arroz, abaixava o fogo e tampava deixando um vãozinho de mais menos um centímetro pra sair o vapor e passado mais ou menos uns 15 minutinhos estava pronto. Delicado, macio e com aqueles dentes de alho que depois de quase queimados, ficaram fervilhando na panela junto à gordura e depois cozinhando, finalizavam quase sempre aparentes, cremosos e doces! Hummm...lembrança das boas! Eu adoro o gosto do alho amassado junto do arroz, essa combinação é uma das melhores do mundo no meu universo gustativo. Então quem vem em casa e come da minha comida, vai sempre comer um pouco do arroz que minha vó fazia (atualmente ela quase não cozinha, embora seja muito ativa e cheia de vida no auge dos seus 85 anos de vida!).
Esta introdução é só pra poder chegar onde quero chegar neste post que é: Na cozinha não existe certo ou errado! Isso mesmo, me lembro de uma entrevista pra um site em que uma famosa chef de São Paulo foi questionada sobre um filé que ela servia no seu restaurante e que recebeu naquele ano um destes prêmios gastronômicos e a resposta dela simplesmente foi: "Eu faço tudo errado! Eu tempero a o bife com antecedência, é assim que minha mãe fazia e é assim que eu continuo fazendo e fica perfeito!".
Nas escolas de gastronomia, somos quase sempre ensinados sobre o jeito certo de cozinhar. Os termos e as técnicas ganham uma grandeza quase religiosa, como se fazer de outro jeito, fosse coisa do demônio. Viram verdades absolutas. Uma vez discuti com um professor porque ele me disse que massa podre não existia, existia sim a massa Patê Brisée, (elas são a mesma receita, com proporções de gordura, farinha e liquido idênticas!) mas a massa podre não existia, pois na língua francesa, a oficial da gastronomia usada nos restaurantes e na hotelaria, não se usava este termo. Eu entendo que a escola de gastronomia é feita para formar pessoas para o mercado de trabalho e por isso, os termos usados seguem uma norma internacional e que se eu disser no restaurante de um navio em que existem cozinheiros de diversos cantos do mundo, que quero uma torta com massa podre só os brasileiros vão entender, mas seu disser que a quero uma massa patê brisée todos terão a obrigação de saber  o que é e que deste modo, o termo francês é o mais correto nestas situações, nas cozinhas de restaurantes internacionais e estudantes de gastronomia e cozinheiros tem a obrigação de saber disso, mas daí a dizer que a massa podre não existe é um outro capítulo!
Fazer o curso de gastronomia mudou meu modo de cozinhar, entendi processos que antes eram intuitivos, aprendi formas novas de cocção, cortes, temperos e técnicas. Mas também reforçou algumas de minhas convicções pela qual a academia ou os cursos técnicos de gastronomia ainda patinam e uma delas é esta dicotomia entre a culinária de mercado, dos restaurantes internacionais e a valorização das técnicas e das receitas brasileiras. Picar os ingredientes com os mineiros picam ( bem picadinhos!) exige muita técnica, refogar é tão importante quanto brasear e deixar o alho inteiro quase queimando na gordura antes de fritar o arroz e por fim cozinhá-lo é tão certo quanto o arroz pilaf dos grandes restaurantes. Se a comida fica boa e saborosa, tem uma boa apresentação é feita com bons ingredientes e com carinho ela é uma receita pra lá de certa. E se for compartilhada à mesa com a família fica melhor ainda!
Uma dica: faça o arroz com dentes de alho inteiros e quase queimados como descrevi acima e depois me conta o que achou? 



quarta-feira, 22 de abril de 2015

Começar de novo!

"Para o povo não há argumento probante, técnico, convincente, contra o paladar..."Camara Cascudo



1, 2, 3... Testando!

Pois é, voltando a vida de blogueira depois de quase 4 anos! 
Minha vida passada no universo blogueiro é esta aqui: www.chimbiquinha.blogspot.com, foi ali que durante tempo da minha vida, morando em São Paulo e atuando profissionalmente com arte e educação que comecei a matutar sobre a minha vida de cozinheira de forma mais intensa. Desde criança, sempre gostei de cozinhar, observava concentrada minha vó paterna na cozinha, curiosa que era perguntava, assuntava e principalmente saboreava tudo. De minha outra vó que sempre declarou não gostar de cozinhar, mas o fazia com maestria e alcançou, com o exercício de repetição a supremacia fazendo o mesmo almoço de domingo por anos e anos o seguinte cardápio: arroz, feijão, macarrão (fique sabendo que para os mineiros macarrão é acompanhamento!), frango afogadinho que na verdade é um frango refogado com um caldo acebolado e delicioso,  até meus 10 anos de idade era galinha caipira do quintal, mas com o tempo - em nome da tal da praticidade, foi perdendo território para o frango de granja, e por fim uma salada de alface, tomate e cebola regados com um tempero azedinho e delicioso. Só de pensar fico com água na boca! Essas duas mulheres além é claro, da minha mãe que ia pra cozinha todos os dias com prazer mesmo cansada na época em que trabalhava fora, foram minhas grandes referências na cozinha.

Chaminé da Chimbica
Vista da entrada do Rancho
Entardecer - vista do rancho

Mas voltando, de 4 anos atrás aos dias de hoje, muita coisa aconteceu e hoje moro em Monteiro Lobato, interior de São Paulo, numa chácara que foi durante 23 anos um camping. Viemos pra cá no dia 28 de dezembro e desde então, estamos (quase!) totalmente voltados ao universo da roça, do campo, das galinhas no quintal, do fogão à lenha, da terra batida, do carro atolado, das noites enluaradas e céus cheios de estrelas. É aqui que eu, hoje assumidamente uma cozinheira, vivo.
Com o desejo de compartilhar e repartir as receitas que faço.

Rancho da Chimbica - salão

primeiros ensaios da horta

piscina redonda para as crianças - água natural!
Aos que derem uma passadinha no meu blog antigo, poderão perceber que as últimas postagens foram sobre os modos de comer e cozinhar de alguns homens e mulheres do Vale do Paraíba.  Na época, meu olhar estava começando a se voltar para estudos que tinham como linha de condução, a relação entre a comida e a cultura, e então quando vinha passar alguns dias na casa de minha mãe, comecei a investigar e conhecer alguns cozinheiros tradicionais e a trocar com eles receitas, impressões e principalmente histórias de vida que tiveram como companheiros o tacho de doce, o bolo assado no braseiro do fogão à lenha logo depois do almoço, a receita da  moqueca caipira que é totalmente diferente das moquecas que conhecemos da bahia e a capixaba, o bolinho caipira e as suas versões antigas e modernas e tantas outras narrativas em torno da cozinha, do fogão e da mesa. 
Neste período minha vida teve uma virada. Saí de São Paulo pra morar novamente na minha cidade natal, casei, descasei, trabalhei com crianças, virei fotógrafa,  fiz curso de gastronomia, voltei a morar com minha mãe pra depois fugir de casa com meu novo amor e passar um ano procurando essa vida mais simples, mais tranquila, mais divertida e  poder viver cozinhando para todas as pessoas que estejam dispostas a passar por este cantinho da serra da mantiqueira pra um dia ou noite de prosa com a mesa posta. Ufa!!
Foram anos de estudo e um pouco de aventuras, o blog ficou de lado porque naquele momento o que mais me interessava era a experiencia da aprendizagem.  Agora que eu e meu companheiro estamos dando uma "assentada" na vida, me volto novamente para a escrita, para os estudos e as vivências na cozinha, para o teste das receitas, às conversas com outros cozinheiros e cozinheiras, plantadores, horteiros e gente que esteja a fim de compartilhar histórias e possibilidades de uma vida mais simples (nem por isso menos complexa!) em que a experiência e o afeto sejam mais importantes que o consumo e o dinheiro.
Quero aqui compartilhar minhas impressões sobre o ato de cozinhar, de comer, de compartilhar a comida, de servir os comensais, de plantar e colher a comida, de entender o que comemos, de saborear os alimentos e investigar os hábitos à mesa e a relação da comida e a cultura. Não quero que este seja um espaço de certezas e sim de possibilidades, quero trocar e refletir em voz alta por meio deste espaço algumas inquietações e descobertas do universo da culinária e gastronomia, uma vez que ela, como disse Camara Cascudo no prefácio do livro "A História da Alimentação no Brasil" é a tradição ( e porque não a tradução?) mais fiel de uma sociedade.

Evoé!